Alice B. Seraphim
Quando eu ainda trabalhava em uma Editora, duas amigas, me disseram: “Você vai trabalhar conosco em nosso escritório”.
Achei que era uma forma gentil de me tratarem. Mas, passados um ano mais ou menos, a Editora onde trabalhava, por opção dos dois diretores que tinham outros projetos, findou.
E eu desempregada, ainda sem projetar nenhum caminho, recebo a ligação de uma delas me dizendo: e agora já tem algo para fazer? Venha conversar conosco. Marquei e fui. Conversamos, acertamos e elas: -- “Pode começar amanhã?” Era uma quinta-feira; combinei de iniciar na segunda feira seguinte.
E neste ano de 2021, por incrível que pareça para mim, completarei 11 anos em um escritório de advocacia.
Lembro-me bem que eu disse, posso sim fazer algumas coisas que esperavam de mim, na área administrativa, onde tinha alguma experiência, mas não na financeira; não tinha nenhuma experiência nesta área. Lembro-me que elas disseram não precisa, precisamos mesmo de você organizando a área administrativa, temos uma moça na gerência financeira, e ela cuidará desta parte.
Para mim, foi muita surpresa tudo que vi. Foi tudo até muito pitoresco no meu início; organizando os sistemas de arquivo, me deparava com e-mails soltos que achava que não eram sérios e nem importantes para arquivo, até que fui aprendendo que eram relatos, mesmo as vezes naquela linguagem pouco ortodoxa, para serem guardados como provas para defesa. Estava aprendendo que na área de família, infelizmente temos casos não tão agradáveis e fáceis para lidar. E eu ví aquelas mulheres educadas, sensíveis e extremamente amorosas, lidarem com tudo isso.
E assim, fui caminhando nas minhas funções. E tanto nessa área como em outras áreas jurídicas em que elas atuavam, fui vendo a luta e o caminhar destas jovens senhoras, com muita força e coragem, para minha total surpresa, afinal as via como elegantes e sensíveis.
No início me admirei, uma vez queria retirar da recepção um livreto que contava piadas de advogados, destas que a gente sempre se depara. Fiquei novamente surpresa, quando elas sabiam e achavam graça, não viam como ofensa e riam. Mas, mesmo assim retirei o livreto; eu não as via assim.
Claro que com estas profissionais em direito, tão seguras, eloquentes e convincentes, em um belo dia, assumi algumas funções financeiras também.
Aprendi a admirar o seu trabalho, percebendo quanta aflição havia naqueles futuros clientes que chegavam em busca de socorro. As vezes cá com meus botões pensava, parece a área médica, onde a insegurança e o desespero daquelas pessoas necessitadas, pedem ajuda a um profissional que conheça o assunto, que as atendam, as socorram e acalmem; e nessa hora, eu via aquelas mulheres elegantes virarem mãezonas sensibilizadas com a situação, perdiam horas naqueles contatos, as vezes antes deles se tornarem clientes, e os acalmavam.
Percebi que nas reuniões com os futuros clientes, se inteirando completamente dos detalhes dos casos que surgiam para terem nas Ações os argumentos necessários, eram também essas reuniões, para se sensibilizarem com aquelas situações, poderem arregaçar as mangas e irem em frente com aquela força de leão em defesa daqueles clientes. Nas reuniões, também decidiam a aceitação ou não do cliente.
Me lembro de um caso onde elas já estavam trabalhando com um cliente, Vara de Família, e acreditavam era ele a parte sensível e inocente da situação, vítima de um irmão maldoso. Começamos, todos no escritório, a receber telefonemas de familiares desse cliente, se queixando e fazendo perguntas, etc. e nós, preocupados, fomos instruídos a solicitar que não ligassem, criavam uma situação constrangedora que feria a ética profissional . Mas foi tanta a insistência dos telefonemas, mãe, etc. etc.. que nossas líderes fizeram um apelo. Fariam uma reunião geral com todos, a outra parte, seu advogado e tentariam deixar mais clara e lúcida a situação para que não continuasse esse contato anárquico de todos os lados. Após esta reunião houve uma surpresa geral: nosso cliente, era quem estava tendo atitudes pouco corretas digamos, e elas percebendo que estavam em defesa de alguém com atitudes nada satisfatórias, abdicaram do caso. Esse cliente, que já havia percebido a capacidade das profissionais recém-contratadas, pediu de todas as formas que continuassem. Cheguei a ver um e-mail onde ele dizia que se para continuarem em sua defesa, ele precisasse ir até o escritório, e ajoelhar aos seus pés, iria. E realmente elas não continuaram, por não mais acreditarem na verdade deste cliente.
Também passei a admirar o cuidado do escritório praticando uma reunião semanal, em oração, já que todos somos cristãos, no sentido de pedir proteção para nós, nossas famílias, nosso escritório e nossos clientes, já que, claramente, um escritório de advocacia começou a me transmitir a ideia de um tipo de pronto socorro. E que luta em prol da vida! Antigamente achava que um advogado trabalhava, com conhecimento, bons argumentos e era apenas um representante legal, representativo de seus clientes. Hoje descobri que eles são peões. Acordam muito cedo, cansam os músculos em um computador, escrevendo textos e mais textos em defesas, petições, etc. ... não tem hora de trabalho, enfrentam situações complicadas, pessoas problemáticas e procuram preservar sua sensibilidade como podem em face de atos tão desagradáveis de um cotidiano que nem sempre é o seu.
Enfim, quis deixar registrado em mais de uma década de observação, quão humano um escritório de advocacia pode chegar a ser.
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